(uol - Últimas notícias)- 13/5/2008 - 20h14, de Brasília
Leia a carta de demissão da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, entregue nesta terça (13) ao presidente Lula por intermédio do chefe de gabinete, Gilberto Carvalho:
"Caro Presidente Lula,
Venho, por meio desta, comunicar minha decisão em caráter pessoal e irrevogável, de deixar a honrosa função de Ministra de Estado do Meio Ambiente, a mim confiada por V. Excia desde janeiro de 2003. Esta difícil decisão, Sr, Presidente, decorre das dificuldades que tenho enfrentado há algum tempo para dar prosseguimento à agenda ambiental federal.
Quero agradecer a oportunidade de ter feito parte de sua equipe. Nesse período de quase cinco anos e meio esforcei-me para concretizar sua recomendação inicial de fazer da política ambiental uma política de governo, quebrando o tradicional isolamento da área.
Agradeço também o apoio decisivo, por meio de atitudes corajosas e emblemáticas, a exemplo de quando, em 2003, V. Excia chamou a si a responsabilidade sobre as ações de combate ao desmatamento na Amazônia, ao criar grupo de trabalho composto por 13 ministérios e coordenado pela Casa Civil. Esse espaço de transversalidade de governo, vital para a existência de uma verdadeira política ambiental, deu início à série de ações que apontou o rumo da mudança que o País exigia de nós, ou seja, fazer da conservação ambiental o eixo de uma agenda de desenvolvimento cuja implementação é hoje o maior desafio global.
Fizemos muito: a criação de quase 24 milhões de hectares de novas áreas de conservação federais, a definição de áreas prioritárias para conservação da biodiversidade em todos os nossos biomas, a aprovação do Plano Nacional de Recursos Hídricos, do novo Programa Nacional de Florestas, do Plano Nacional de Combate à Desertificação e temos em curso o Plano Nacional de Mudanças Climáticas.
Reestruturamos o Ministério do Meio Ambiente, com a criação da Secretaria de Articulação Institucional e Cidadania Ambiental, da Secretaria de Mudanças Climáticas e Qualidade Ambiental, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade e do Serviço Florestal Brasileiro; com melhoria salarial e realização de concursos públicos que deram estabilidade e qualidade à equipe; com a completa reestruturação das equipes de licenciamento e o aperfeiçoamento técnico e gerencial do processo. Abrimos debate amplo sobre as políticas socioambientais, por meio da revitalização e criação de espaços de controle social e das conferências nacionais de Meio Ambiente, efetivando a participação social na elaboração e implementação dos programas que executamos.
Em negociações junto ao Congresso Nacional ou em decretos, estabelecemos ou encaminhamos marcos regulatórios importantes, a exemplo da Lei de Gestão de Florestas Públicas, da criação da área sob limitação administrativa provisória, da regulamentação do art. 23 da Constituição, da Política Nacional de Resíduos Sólidos, da Política Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais. Contribuímos decisivamente para a aprovação da Lei da Mata Atlântica.
Em dezembro último, com a edição do Decreto que cria instrumentos poderosos para o combate ao desmatamento ilegal e com a Resolução do Conselho Monetário Nacional, que vincula o crédito agropecuário à comprovação da regularidade ambiental e fundiária, alcançamos um patamar histórico na luta para garantir à Amazônia exploração equilibrada e sustentável. É esse nosso maior desafio. O que se fizer da Amazônia será, ouso dizer, o padrão de convivência futura da humanidade com os recursos naturais, a diversidade cultural e o desejo de crescimento. Sua importância extrapola os cuidados merecidos pela região em si, e revela potencial de gerar alternativas de reposta inovadora ao desafio de integrar as dimensões social, econômica e ambiental do desenvolvimento.
Hoje, as medidas adotadas tornam claro e irreversível o caminho de fazer da política socioambiental e da economia uma única agenda, capaz de posicionar o Brasil de maneira consistente para operar as mudanças profundas que, cada vez mais, apontam o desenvolvimento sustentável como a opção inexorável de todas as nações.
Durante essa trajetória, V. Excia é testemunha das crescentes resistências encontradas por nossa equipe junto a setores importantes do governo e da sociedade. Ao mesmo tempo, de outros setores tivemos parceria e solidariedade. Em muitos momentos, só conseguimos avançar devido ao seu acolhimento direto e pessoal. No entanto, as difíceis tarefas que o governo ainda tem pela frente sinalizam que é necessária a reconstrução da sustentação política para a agenda ambiental.
Tenho o sentimento de estar fechando um ciclo cujos resultados foram significativos, apesar das dificuldades. Entendo que a melhor maneira de continuar contribuindo com a sociedade brasileira e o governo é buscando, no Congresso Nacional, o apoio político fundamental para a consolidação de tudo o que conseguimos construir e para a continuidade da implementação da política ambiental.
Nosso trabalho à frente do MMA incorporou conquistas de gestões anteriores e procurou dar continuidade àquelas políticas que apontavam para a opção do desenvolvimento sustentável. Certamente, os próximos dirigentes farão o mesmo com a contribuição deixada por esta gestão. Deixo seu governo com a consciência tranqüila e certa de, nesses anos de profícuo relacionamento, termos feito algo de relevante para o Brasil.
Que Deus continue abençoando e guardando nossos caminhos.
Marina Silva"
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quinta-feira, 15 de maio de 2008
Quatro “erres” contra o consumismo
Por Leonardo Boff*
A fome é uma constante em todas as sociedades históricas. Hoje, entretanto, ela assume dimensões vergonhosas e simplesmente cruéis. Revela uma humanidade que perdeu a compaixão e a piedade. Erradicar a fome é um imperativo humanístico, ético, social e ambiental. Uma pré-condição mais imediata e possível de ser posta logo em prática é um novo padrão de consumo.
A sociedade dominante é notoriamente consumista. Dá centralidade ao consumo privado, sem auto-limite, como objetivo da própria sociedade e da vida das pessoas. Consome não apenas o necessário, o que é justificável, mas o supérfluo, o que questionavel. Esse consumismo só é possível porque as políticas econômicas que produzem os bens supérfluos são continuamente alimentadas, apoiadas e justificadas. Grande parte da produção se destina a gerar o que, na realidade, não precisamos para viver decentemente.
Como se trata do supérfluo, recorrem-se a mecanismos de propaganda, de marketing e de persuasão para induzir as pessoas a consumir e a fazê-las crer que o supérfluo é necessário e fonte secreta da felicidade.
O fundamental para este tipo de marketing é criar hábitos nos consumidores a tal ponto que se crie neles uma cultura consumista e a necessidade imperiosa de consumir. Mais e mais se suscitam necessidades artificiais e em função delas se monta a engrenagem da produção e da distribuição. As necessidades são ilimitadas, por estarem ancoradas no desejo que, por natureza, é ilimitado. Em razão disso, a produção tende a ser também ilimitada. Surge então uma sociedade, já denunciada por Marx, marcada por fetiches, albarrotada de bens supérfluos, pontilhada de shoppings, verdadeiros santuários do consumo, com altares cheios de ídolos milagreiros, mas ídolos, e, no termo, uma sociedade insatisfeita e vazia porque nada a sacia. Por isso, o consumo é crescente e nervoso, sem sabermos até quando a Terra finita aguentará essa exploração infinita de seus recursos.
Não causa espanto o fato de o Presidente Bush conclamar a população para consumir mais e mais e assim salvar a economia em crise, lógico, à custa da sustentabilidade do planeta e de seus ecossistemas. Contra isso, cabe recordar as palavras de Robert Kennedy, em 18 de março de 1968: ”Não encontraremos um ideal para a nação nem uma satisfação pessoal na mera acumulação e no mero consumo de bens materiais. O PIB não contempla a beleza de nossa poesia, nem a solidez dos valores familiares, não mede nossa argúcia, nem a nossa coragem, nem a nossa compaixão, nem a nossa devoção à pátria. Mede tudo menos aquilo que torna a vida verdadeiramente digna de ser vivida”. Três meses depois foi assassinado.
Para enfrentar o consumismo urge sermos conscientemente anti-cultura vigente. Há que se incorporar na vida cotidiana os quatro “erres” principais: reduzir os objetos de consumo, reutilizar os que já temos usado, reciclar os produtos dando-lhes outro fim e finalmente rejeitar o que é oferecido pelo marketing com fúria ou sutilmente para ser consumido.
Sem este espírito de rebeldia consequente contra todo tipo de manipulação do desejo e com a vontade de seguir outros caminhos ditados pela moderação, pela justa medida e pelo consumo responsável e solidário, corremos o risco de cairmos nas insídias do consumismo, aumentando o número de famintos e empobrecendo o planeta já devastado.
(Envolverde/O autor)
© Copyleft - É livre a reprodução exclusivamente para fins não comerciais, desde que o autor e a fonte sejam citados e esta nota seja incluída.
A fome é uma constante em todas as sociedades históricas. Hoje, entretanto, ela assume dimensões vergonhosas e simplesmente cruéis. Revela uma humanidade que perdeu a compaixão e a piedade. Erradicar a fome é um imperativo humanístico, ético, social e ambiental. Uma pré-condição mais imediata e possível de ser posta logo em prática é um novo padrão de consumo.
A sociedade dominante é notoriamente consumista. Dá centralidade ao consumo privado, sem auto-limite, como objetivo da própria sociedade e da vida das pessoas. Consome não apenas o necessário, o que é justificável, mas o supérfluo, o que questionavel. Esse consumismo só é possível porque as políticas econômicas que produzem os bens supérfluos são continuamente alimentadas, apoiadas e justificadas. Grande parte da produção se destina a gerar o que, na realidade, não precisamos para viver decentemente.
Como se trata do supérfluo, recorrem-se a mecanismos de propaganda, de marketing e de persuasão para induzir as pessoas a consumir e a fazê-las crer que o supérfluo é necessário e fonte secreta da felicidade.
O fundamental para este tipo de marketing é criar hábitos nos consumidores a tal ponto que se crie neles uma cultura consumista e a necessidade imperiosa de consumir. Mais e mais se suscitam necessidades artificiais e em função delas se monta a engrenagem da produção e da distribuição. As necessidades são ilimitadas, por estarem ancoradas no desejo que, por natureza, é ilimitado. Em razão disso, a produção tende a ser também ilimitada. Surge então uma sociedade, já denunciada por Marx, marcada por fetiches, albarrotada de bens supérfluos, pontilhada de shoppings, verdadeiros santuários do consumo, com altares cheios de ídolos milagreiros, mas ídolos, e, no termo, uma sociedade insatisfeita e vazia porque nada a sacia. Por isso, o consumo é crescente e nervoso, sem sabermos até quando a Terra finita aguentará essa exploração infinita de seus recursos.
Não causa espanto o fato de o Presidente Bush conclamar a população para consumir mais e mais e assim salvar a economia em crise, lógico, à custa da sustentabilidade do planeta e de seus ecossistemas. Contra isso, cabe recordar as palavras de Robert Kennedy, em 18 de março de 1968: ”Não encontraremos um ideal para a nação nem uma satisfação pessoal na mera acumulação e no mero consumo de bens materiais. O PIB não contempla a beleza de nossa poesia, nem a solidez dos valores familiares, não mede nossa argúcia, nem a nossa coragem, nem a nossa compaixão, nem a nossa devoção à pátria. Mede tudo menos aquilo que torna a vida verdadeiramente digna de ser vivida”. Três meses depois foi assassinado.
Para enfrentar o consumismo urge sermos conscientemente anti-cultura vigente. Há que se incorporar na vida cotidiana os quatro “erres” principais: reduzir os objetos de consumo, reutilizar os que já temos usado, reciclar os produtos dando-lhes outro fim e finalmente rejeitar o que é oferecido pelo marketing com fúria ou sutilmente para ser consumido.
Sem este espírito de rebeldia consequente contra todo tipo de manipulação do desejo e com a vontade de seguir outros caminhos ditados pela moderação, pela justa medida e pelo consumo responsável e solidário, corremos o risco de cairmos nas insídias do consumismo, aumentando o número de famintos e empobrecendo o planeta já devastado.
(Envolverde/O autor)
© Copyleft - É livre a reprodução exclusivamente para fins não comerciais, desde que o autor e a fonte sejam citados e esta nota seja incluída.
apocalipse em 2012
Estudiosos do calendário maia acreditam que o mundo vai acabar em quatro anos; Terremotos no Brasil e degelo polar seriam sinais dos tempos
por Adriana Küchler, da Revista da Folha, em 20/4/2008
Daqui a quatro anos, o Sol vai se aproximar tanto da Terra, ou suas explosões serão tão fortes, que os satélites derreterão. Sem telecomunicações, serviços bancários ou segurança militar, o mundo caminhará para o caos. Para os maias, uma grande mudança aconteceria em 2012. Para seus seguidores, que fazem do calendário da antiga civilização uma bíblia, aquele não será apenas o ano da Olimpíada de Londres ou aquele em que expira o Protocolo de Kyoto. Será o ano do fim do mundo. Pelo menos, assim como o conhecemos.
O apocalipse tem data marcada: 21 de dezembro de 2012. É o que indicam os estudos de pesquisadores como o americano John Major Jenkins, autor de "Maya Cosmogenesis 2012" e de um programa em três CDs chamado "Unlocking the Secrets of 2012" ("Desvendando os Segredos de 2012"), ambos inéditos no Brasil. O dia do fim desta era, segundo os estudos de Jenkins, coincide com um raro alinhamento galáctico que acontece a cada 26 mil anos. "O antigo calendário identifica a razão de tanto caos e mudança no mundo hoje. Nenhuma outra ciência, religião ou filosofia teve sucesso nessa tarefa", diz Jenkins.
A onda 2012 vem crescendo: nos EUA, é tema constante de programas de TV e de rádio. Na livraria virtual Amazon, há centenas de obras relacionadas com o tema, de diferentes teorias sobre a profecia a guias de sobrevivência ao ano cabalístico. Por aqui, há grupos de discussão reais e virtuais, cursos e livros sobre o tema e até work-shop em festa trance.
A funcionária pública Denise Franco Gehring, 50, entrou no clima e está treinando seus dons telepáticos e a capacidade de "fazer coisas sem energia elétrica até 2012". Já vislumbra algum progresso. "Outro dia, meu celular ligou sozinho para o meu namorado. As coisas vivem aparecendo na minha frente na hora em que preciso delas", diz. Ela faz parte do grupo de estudos do calendário da paz -uma variação do maia- da Casa de Cultura de Santo Amaro.
Denise influenciou o filho Pedro, 22, estudante de engenharia. Há dois anos, ele começou a se dedicar a conhecer a cultura maia. "A situação do planeta está piorando. Vai acontecer um cataclismo", afirma. "Diante disso, o calendário se mostra algo profundo. Muitos o seguem, mesmo sem o compreender."
Para o escritor americano Lawrence E. Joseph, que preside o conselho de uma empresa de física de plasma, foi a coincidência entre a física solar contemporânea e a antiga astronomia maia, ambas apontando para 2012 como um ano de potencial devastador, que o levou a escrever o livro "Apocalipse 2012: as Provas Científicas sobre o Fim da Nossa Civilização". "O único ponto de consenso entre astrônomos e físicos é que o próximo clímax solar virá em 2012."
Hecatombe anunciada
Sem confiar nas profecias que via pipocar na internet, Lawrence esteve na Guatemala com dois xamãs que confirmaram seu temor: "2012 seria o nascimento de uma nova e gloriosa era, mas, como qualquer outro nascimento, seria acompanhado de sangue e dor". Para ajudar a evitar ou a reparar os estragos dessa crônica de uma hecatombe anunciada, Lawrence recomenda que as pessoas rezem e meditem e que os governos se preparem para situações de emergência.
Baseada em informações históricas, científicas, mitológicas ou catastróficas, a "2012mania" passa inevitavelmente por outro assunto da moda: o aquecimento global. "Acontecimentos recentes, como tsunamis ou o terremoto no Brasil, que nunca tinha acontecido, têm a ver com esse ciclo", afirma o jornalista e crítico de arte Alberto Beuttenmüller, 72. Primeiro a dar tratamento literário ao assunto no Brasil, com o livro "2012 - A Profecia Maia", Alberto estuda os maias há 37 anos. "À medida que 2012 se aproximar, esses acontecimentos vão ficar mais agressivos."
Para Margarida Fonseca, também integrante do grupo de estudos da Casa de Cultura de Santo Amaro, o planeta ficou doente porque não está seguindo o seu tempo natural. Os seguidores do calendário da paz defendem que todo mundo deveria adotar um sistema de 13 meses (ou luas) de 28 dias. Eles dizem que não é só o planeta que fica doente por não seguir o calendário. "Quem o segue se livra de distúrbios e doenças", afirma Margarida.
Com tantas interpretações, o calendário maia se distancia das origens. "Os maias perceberam fenômenos como solstícios e equinócios e previam eclipses. Tinham um sistema sofisticado de calendário, com maior precisão e menor perda de tempo", explica a pesquisadora do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP Marcia Arcuri, 36.
Os maias fizeram ainda ajustes semelhantes ao nosso ano bissexto, embora o calendário gregoriano (que usamos) só tenha sido instituído 80 anos após o descobrimento da América.
Fim de um ciclo
Mais do que um calendário, os maias possuíam um sistema de folhinhas, o Tzolkin, de 260 dias, e o Haab, de 360 dias mais cinco."Os maias já tiveram três ou quatro mundos ou idades anteriores", diz Eduardo dos Santos, 37, especialista em América Pré-Hispânica no departamento de história da USP. "O ciclo atual começou em 3113 a.C. e termina 5.125 anos depois, em 2012."
Das previsões de Nostradamus ao bug do milênio, passando por profecias, a humanidade se mostra criativa para prever o fim do mundo. Tem errado sempre. Para Jenkins, o problema é nossa forma de pensar. "O apocalipse cataclísmico é um conceito distorcido, derivado da teologia judaico-cristã e do conceito de tempo linear da ciência ocidental."
A pesquisadora Marcia explica que a nossa idéia de cataclismo não faz sentido para os maias. "Para eles, o fim nada mais é do que o começo de um novo ciclo." Segundo ela, recentes descobertas sobre os maias deram espaço para a mercantilização do tema.
Para o professor Eduardo, o calendário maia não tem vigência fora daquela cultura. "A crença no calendário fala muito mais das nossas angústias, insatisfações com o mundo e carências exótico-religiosas do que com o estudo do pensamento maia."
por Adriana Küchler, da Revista da Folha, em 20/4/2008
Daqui a quatro anos, o Sol vai se aproximar tanto da Terra, ou suas explosões serão tão fortes, que os satélites derreterão. Sem telecomunicações, serviços bancários ou segurança militar, o mundo caminhará para o caos. Para os maias, uma grande mudança aconteceria em 2012. Para seus seguidores, que fazem do calendário da antiga civilização uma bíblia, aquele não será apenas o ano da Olimpíada de Londres ou aquele em que expira o Protocolo de Kyoto. Será o ano do fim do mundo. Pelo menos, assim como o conhecemos.
O apocalipse tem data marcada: 21 de dezembro de 2012. É o que indicam os estudos de pesquisadores como o americano John Major Jenkins, autor de "Maya Cosmogenesis 2012" e de um programa em três CDs chamado "Unlocking the Secrets of 2012" ("Desvendando os Segredos de 2012"), ambos inéditos no Brasil. O dia do fim desta era, segundo os estudos de Jenkins, coincide com um raro alinhamento galáctico que acontece a cada 26 mil anos. "O antigo calendário identifica a razão de tanto caos e mudança no mundo hoje. Nenhuma outra ciência, religião ou filosofia teve sucesso nessa tarefa", diz Jenkins.
A onda 2012 vem crescendo: nos EUA, é tema constante de programas de TV e de rádio. Na livraria virtual Amazon, há centenas de obras relacionadas com o tema, de diferentes teorias sobre a profecia a guias de sobrevivência ao ano cabalístico. Por aqui, há grupos de discussão reais e virtuais, cursos e livros sobre o tema e até work-shop em festa trance.
A funcionária pública Denise Franco Gehring, 50, entrou no clima e está treinando seus dons telepáticos e a capacidade de "fazer coisas sem energia elétrica até 2012". Já vislumbra algum progresso. "Outro dia, meu celular ligou sozinho para o meu namorado. As coisas vivem aparecendo na minha frente na hora em que preciso delas", diz. Ela faz parte do grupo de estudos do calendário da paz -uma variação do maia- da Casa de Cultura de Santo Amaro.
Denise influenciou o filho Pedro, 22, estudante de engenharia. Há dois anos, ele começou a se dedicar a conhecer a cultura maia. "A situação do planeta está piorando. Vai acontecer um cataclismo", afirma. "Diante disso, o calendário se mostra algo profundo. Muitos o seguem, mesmo sem o compreender."
Para o escritor americano Lawrence E. Joseph, que preside o conselho de uma empresa de física de plasma, foi a coincidência entre a física solar contemporânea e a antiga astronomia maia, ambas apontando para 2012 como um ano de potencial devastador, que o levou a escrever o livro "Apocalipse 2012: as Provas Científicas sobre o Fim da Nossa Civilização". "O único ponto de consenso entre astrônomos e físicos é que o próximo clímax solar virá em 2012."
Hecatombe anunciada
Sem confiar nas profecias que via pipocar na internet, Lawrence esteve na Guatemala com dois xamãs que confirmaram seu temor: "2012 seria o nascimento de uma nova e gloriosa era, mas, como qualquer outro nascimento, seria acompanhado de sangue e dor". Para ajudar a evitar ou a reparar os estragos dessa crônica de uma hecatombe anunciada, Lawrence recomenda que as pessoas rezem e meditem e que os governos se preparem para situações de emergência.
Baseada em informações históricas, científicas, mitológicas ou catastróficas, a "2012mania" passa inevitavelmente por outro assunto da moda: o aquecimento global. "Acontecimentos recentes, como tsunamis ou o terremoto no Brasil, que nunca tinha acontecido, têm a ver com esse ciclo", afirma o jornalista e crítico de arte Alberto Beuttenmüller, 72. Primeiro a dar tratamento literário ao assunto no Brasil, com o livro "2012 - A Profecia Maia", Alberto estuda os maias há 37 anos. "À medida que 2012 se aproximar, esses acontecimentos vão ficar mais agressivos."
Para Margarida Fonseca, também integrante do grupo de estudos da Casa de Cultura de Santo Amaro, o planeta ficou doente porque não está seguindo o seu tempo natural. Os seguidores do calendário da paz defendem que todo mundo deveria adotar um sistema de 13 meses (ou luas) de 28 dias. Eles dizem que não é só o planeta que fica doente por não seguir o calendário. "Quem o segue se livra de distúrbios e doenças", afirma Margarida.
Com tantas interpretações, o calendário maia se distancia das origens. "Os maias perceberam fenômenos como solstícios e equinócios e previam eclipses. Tinham um sistema sofisticado de calendário, com maior precisão e menor perda de tempo", explica a pesquisadora do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP Marcia Arcuri, 36.
Os maias fizeram ainda ajustes semelhantes ao nosso ano bissexto, embora o calendário gregoriano (que usamos) só tenha sido instituído 80 anos após o descobrimento da América.
Fim de um ciclo
Mais do que um calendário, os maias possuíam um sistema de folhinhas, o Tzolkin, de 260 dias, e o Haab, de 360 dias mais cinco."Os maias já tiveram três ou quatro mundos ou idades anteriores", diz Eduardo dos Santos, 37, especialista em América Pré-Hispânica no departamento de história da USP. "O ciclo atual começou em 3113 a.C. e termina 5.125 anos depois, em 2012."
Das previsões de Nostradamus ao bug do milênio, passando por profecias, a humanidade se mostra criativa para prever o fim do mundo. Tem errado sempre. Para Jenkins, o problema é nossa forma de pensar. "O apocalipse cataclísmico é um conceito distorcido, derivado da teologia judaico-cristã e do conceito de tempo linear da ciência ocidental."
A pesquisadora Marcia explica que a nossa idéia de cataclismo não faz sentido para os maias. "Para eles, o fim nada mais é do que o começo de um novo ciclo." Segundo ela, recentes descobertas sobre os maias deram espaço para a mercantilização do tema.
Para o professor Eduardo, o calendário maia não tem vigência fora daquela cultura. "A crença no calendário fala muito mais das nossas angústias, insatisfações com o mundo e carências exótico-religiosas do que com o estudo do pensamento maia."
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